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Os “Olhares fotográficos” dos estrangeiros
I - De Charles Legrand e William Barklay a Man Ray

Oficialmente a fotografia nascia para o mundo em 1839, quando
François Arago (1786-1853) anunciou a invenção de
Louis-Jacques-Mandré Daguerre (1787-1851), na Academia Francesa de Ciências. As primeiras câmaras de Daguerre foram postas no mercado logo a partir de 1839. Haviam vários modelos, os primeiros depois da divulgação do processo de Daguerre podiam ser adquiridos pelos parisienses nas lojas Susse Fréres e Alphonse Giroux que tinham assinado um contrato de exclusividade para a venda destes aparelhos. O preço era elevado, 400 francos em ouro, mas a curiosidade e o interesse em comprar os primeiros aparelhos também era muita. Atentemos nestas datas. A 7 de Janeiro de 1839
Daguerre expõe o seu invento a François Arago. Só no dia 19 de Agosto este é apresentado na Academia de Ciências e Belas-Artes de França. A Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Úteis, editora de “
O Panorama” revela-nos em editorial a primeira noticia sobre fotografia de que se tem conhecimento na imprensa portuguesa, foi a 16 de Fevereiro de 1839 num texto que versava a “
Revolução nas Artes do Desenho” pp. 54 e 55, pouco mais de um mês após a demonstração do invento a François Arago.

Uma das primeiras câmaras de Daguerreótipo vendidas na casa Alphonse Giroux, em 1839.
Como não podia deixar de ser, os primeiros olhares fotográficos em Portugal foram de estrangeiros. A frontaria da Igreja da Estrela (Real Basílica do Sagrado Coração de Jesus), o Largo do Carmo, o Chafariz do Loreto, a Rua das Portas de Santa Catarina e o Passeio Público em Lisboa, a Sé de Braga, a Sé e a Porta d’Aviz em Évora, vistas de Cintra e Macau são
gravuras litográficas obtidas por Charles Legrand, algumas provavelmente a partir de daguerreótipos. “Merecem registo várias cópias de daguerreótipos pelo processo litográfico. As primeiras que foram anunciadas (...) e a frontaria da Estrela obtida por Legrand. Foram expostas ao público e muito elogiadas pelo Sr. D. Fernando.” (
Augusto da Silva Carvalho, "
Memórias da Academia das Ciências de Lisboa", 1941)....
No “
Le Portugal pittoresque et architectural dessiné d’aprés nature” - Paris, 1846, está o olhar de William Barclay em 13 litografias. Impressas a partir de daguerreótipos e possivelmente datados de 1841. Deve-se a W. Barclay, também, o primeiro retrato daguerreótipo português do estadista
Rodrigo da Fonseca Magalhães. (
Augusto da Silva Carvalho, "
Memórias da Academia das Ciências de Lisboa", 1941).
William Barklay, fl. 185-Vista da cidade e Universidade de Coimbra [Visual gráfico / W. Barclay del ; Eug. Cicéri lith.. - [S.l. : s.n., D.L. 1995] ([Coimbra : Lito Coimbra]. - 1 rep. de obra de arte : p&b ; 25x34 cm. - Data segundo período de actividade dos autores. - Rep. em menores dimensões de litografia de ca. 1850. Biblioteca Nacional de Portugal.
O abade
Louis Compte em viagem de França para o Brasil e passagem por Lisboa foi recebido pela Rainha no Palácio da Ajuda. O abade Louis Compte operador de daguerreótipo fazia parte da expedição didáctica e cientifica do navio escola “
Orientale”. Esta expedição propunha-se dar a volta ao mundo e levava com ela um manancial de material fotográfico para obter daguerreótipos e dar a conhecer a invenção de Daguerre. “O abade Louis Compte, o capitão
Augustin Lucas e a comitiva terão sido recebidos pela Rainha
D. Maria II, a quem se apresentaram - e mostraram - na semana de 7 a 15 de Outubro de 1839, as novidades do physionotypo (outra invenção cujo inventor
Frédéric Sauvage, viajava no Orientale, e que permitia a obtenção de esculturas com rapidez pelo recurso a um feixe de agulhas que delineavam um molde) e do daguerreótipo, cerca de dois meses após o anúncio da sua descoberta na Academia das Ciências Francesa.” ("
Coimbra nos primórdios da fotografia", Alexandre Ramires, 2007.
apphotographia.blogspot.com ).
Quem sabe se a visita da comitiva do “Oriental” aos monarcas portugueses terá motivado o registo da frontaria do palácio ou alguma outra vista, ou mesmo um retrato da rainha? - Se assim se confirmasse, mais um olhar fotográfico se juntaria a tantos outros que chegaram até nós por estrangeiros. Não nos parece descabido ter havido uma demonstração de tamanho invento, que suscitava tamanha curiosidade. Obviamente, isto são apenas “atoardas”! Pois, só em 1941 é que na revista “O Panorama” nos aparece a frontaria do Palácio da Ajuda, a gravura é da autoria de José Maria Baptista Coelho segundo um daguerreótipo atribuído a um aparelho de Francisco Moceig, comerciante em Lisboa. A leitura do texto que acompanha a ilustração não nos permite saber quem foi o autor do daguerreótipo.
Recentemente pudemos ver no
CPF - Centro Português de Fotografia no Porto a exposição “
Lisboa, 1858”, com trabalhos do fotógrafo
Amédée Lemaire de Ternante, realizados em Lisboa, em 1858, quando este se deslocou a Portugal na comitiva que acompanhava a princesa D. Estefânia por ocasião do seu casamento com
D. Pedro V. “Em finais de Abril de 1858, D. Pedro V casa com a brevíssima rainha
D. Estefânia. Tinham ambos 21 anos e o casamento duraria pouco mais de um ano. Em 1859 a rainha morre de difteria e o rei dois anos depois. Com D. Estefânia, que já aprendera português, desloca-se uma pequena corte e artistas diversos, que inclui o já então conhecido pintor e fotógrafo francês Amédée Lemaire de Ternante. Esta é, pois, a Lisboa desse ano ainda feliz e representa, ao que se sabe, um dos mais antigos e mais ricos conjuntos de imagens da capital e, pela diversidade dos temas abordados, um dos mais esclarecedores do país. Trata-se de albuminas originais, respondendo ao objectivo de descoberta e de registo da capital do reino, apontando aspectos do património monumental, (os Jerónimos com a sua patine e erosão antes do restauro, a Torre de Belém, com as velhas galés de passeio ao fundo e, em primeiro plano, a seca das redes dos pescadores, a igreja da Estrela, o Aqueduto das Águas Livres, o Paço das Necessidades, o Chafariz d’El Rei, em Alfama), mas também vistas gerais da cidade. Não apenas o litoral obrigatório avistado do casario mais elevado, mas também S. Pedro de Alcântara e as muitas aldeias que permaneciam incólumes no interior da cidade e a panorâmica que se desfruta nos acontecimentos: as tribunas de recepção frente ao Cais das Colunas. Já em estúdio, (um interior bastante elementar e um jardim onde uma cadeira permite o indispensável apoio) reencontramos a sociedade colunável, homens de canecão ou chapéu mole, suíças e bandós, mulheres com saias de balão à Imperatriz Eugénia, tão crispados, afinal, como os grupos populares que Ternante capta no quotidiano. Nos instantâneos, os rostos em movimento provam-nos a dificuldade da fotografia sem pose, mas também a sua ainda relativa novidade para o público comum. E aquele retrato de Castilho, entre o solene e o 'habitué'.”, (Amédée Lemaire de Ternante exposição “
Lisboa, 1858”, texto Maria do Carmo Serén, 2007).
Chegada de D. Estefânea a Lisboa
Fotografia de Amédée Lemaire de Ternante. Chegada a Lisboa de D. Estefânea em 18 de Maio de 1858, pelas 12:00 horas. 7.8 x 9.3 in. / 19.8 x 23.6 cm.
Amédée Lemaire de Ternante nasceu em França, em Chatillon-sur-Seine, provavelmente em 1821 e faleceu em data posterior a 1866. Conhecido sobretudo como pintor, da escola francesa, os seus quadros encontram-se em muitos museus de França e no Museu do Vaticano. Em 1858, acompanhou a princesa D. Estefânia a Lisboa, tendo anotado com precisão a data a que aportou ao Terreiro do Paço: 18 de Maio, cerca do meio-dia. Durante a sua estadia em Lisboa, fez um extenso levantamento fotográfico da cidade, que imprimiu em provas de papel salgado e albumina. Este “Álbum de Fotografias de Lisboa”, 1858 de Amédée Lemaire de Ternante tem especial importância por tratar-se de uma encomenda feita a um estrangeiro. O álbum faz parte da colecção “
Alcídia e Luís Viegas Belchior” pais do comerciante e coleccionador Luís Belchior a quem foi adquirido em Julho de 2006, pelo Centro Português de Fotografia/Ministério da Cultura com o apoio mecenático da
Sonae e do
BPI. Este entendimento financeiro, raro entre instituições públicas e privadas – no que concerne à fotografia -, foi crucial para a obtenção de património fotográfico nacional da maior importância.

Albumina de Amédée Lemaire de Ternante. Lisboa, 1858. Colecção Alcídia e Luís Viegas Belchior (© CPF ANTT/MC)
“
Tem effectivamente estado nesta cidade, como noticiámos, o distinto photographo francez, que aqui veio retratar os alunos da universidade. Além dos grupos de vários cursos photographou alguns membros do corpo docente com as competentes insígnias, as autoridades universitárias, a sociedade coral Orpheon Académico, a comissão do tricentenário de Camões, e vários monumentos” (O Tribuno Popular, 19 de Março de 1881). Disto nos lembra
Alexandre Ramires no “
Passado ao Espelho Máquinas e Imagens das vésperas e primórdios da Photographia”
Museu da Física da Universidade de Coimbra, 2006. O fotógrafo francês era J. David, de quem a Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra possui um álbum de 1880-81, com fotografias de alunos, lentes e instalações. A casa J. David Phot. & E. Vallois, sucessor do fotógrafo editor, na Rua de Rennes, Paris, Especialistas na produção de álbuns e de postais. Trabalharam para instituições de ensino por encomenda. Conhecem-se trabalhos em postais do Collège Geoffroy-Saint-Hilaire e do Instituto Jeanne d’Arc. J. David fotografou soldados e marinheiros em estabelecimentos de ensino, privados e públicos. E. Vallois teve o seu estúdio no n. º 99 da Rua de Rennes e obteve uma medalha de Bronze na Exposição Universal de 1897. É provável que a casa H. Tourte et M. Petitin aberta então em Levallois (Rua Gide n.º 53) e Paris, possa ser sucessora da casa de
J. David e seu sucessor E. Vallois. Pelo menos tiveram clientes em comum e existem grandes probabilidades destes dados estarem correctos. O que podemos constatar no site que se segue: (
http://www.corpusetampois.com/cpa-es-david.html). Por Coimbra passou ainda, em Abril de 1856 Mr. Dubois, fazia retratos fotográficos a daguerreótipo “
encarrega-se d’ensinar a retratar e vende os instrumentos para isso necessários. (...)
Igualmente põem dentes minerais por novo método Anglo-Americano; põem dentaduras completas, (...)
limpa os dentes, chumba-os e faz todas as operações da boca.” - Um verdadeiro artista. (O Popular 27 de Abril de 1856), (Alexandre Ramires “
Passado ao Espelho Máquinas e Imagens das vésperas e primórdios da Photographia” Museu da Física da Universidade de Coimbra, 2006). Quem também se fixou nesta cidade por volta dos anos 60 foi o francês, Mr. Arsène Hayes, estabelecido com a sua “
Photographia Francesa”, na rua da Sofia n.º 35, (Augusto da Silva Carvalho, "
Memórias da Academia das Ciências de Lisboa", 1941).Entretanto, ainda em Coimbra “
Nos anos seguintes, fotógrafos itinerantes faziam a sua aparição, instalando-se por poucas semanas, como Corentin & Newman em 1852, Mr Dubois em 1855, J. Plessix em 1856, Gustave de Beaucorps (França, 1825 - 1906) em 1858, e Louis Monnet em 1859, Bertrand Dutresch em 1860 e J. Cortès em 1861. Também por cá passaram fotógrafos estrangeiros em expedições fotográficas com motivações científicas, como Thurston Thompson do Museu de South Kensington em Setembro de 1866, ou com intuitos de comercialização internacional das imagens de lugares que se tornavam acessíveis pela chegada do Caminho-de-Ferro, como Ferrier & Soulier em 1867 e Jean Laurent em 1869” ("
Coimbra nos primórdios da fotografia",
Alexandre Ramires, 2007.
apphotographia.blogspot.com). Também, J. Levy, Jules Marinier e Vigé & Plessix são fotógrafos estrangeiros mencionados, no texto de Alexandre Ramires, terem estado em Coimbra mas, destes falaremos mais à frente, alguns com mais pormenor, outros na temática das vistas estereoscópicas.
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O Passado ao Espelho
da Photographia”. Exposição comissariada por Alexandre Ramires. Museu da Física da Universidade de Coimbra, 2006.
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REVELAR COIMBRA
Catálogo da Exposição "Revelar Coimbra - Os Inícios da Imagem Fotográfica em Coimbra 1842-1900", Comissário Alexandre Ramires. Museu Nacional de Machado de Castro, 2001.
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Sobre
Thurston Thompson existe uma referência no blogue
De Rerum Natura a “dois álbuns de fotografias de Coimbra, realizados em 1862 pelo fotógrafo Charles Thurston Thompson (1816-1868), do Museu de South Kensington (actual
Vitoria and Albert Museum), em Londres. Num grande empreendimento do imperialismo cultural britânico do século XIX, aquele Museu financiou várias excursões a Portugal e Espanha, com o objectivo de fixar em fotografia os grandes monumentos arquitectónicos da Península. Dessas excursões resultaram estes dois álbuns que foram oferecidos ao então Reitor da Universidade e que hoje se encontram nos fundos da Biblioteca Geral. Entre as várias fotografias do Paço das Escolas existentes nestes álbuns, existe uma rara do rico interior da Biblioteca Joanina, tirada numa época em que a fotografia de interiores ainda não estava ao alcance da generalidade dos fotógrafos.”, (Post convidado de António Eugénio Maia do Amaral, Director Adjunto da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra (BGUC), sobre os livros mais preciosos da BGUC, que serviram de base ao evento "Entre Livros", no blog “
De Rerum Natura”, Top 10 Álbuns dos “Monumentos Architectónicos de Coimbra”). Acrescente-se a esta informação a existência de um álbum de Thurston Thompson, também sobre Coimbra, na Biblioteca da Academia Nacional de Bellas-Artes de Lisboa, lá estaria ainda em 1973 segundo António Sena. - Eventualmente aí depositado no tempo em que a lei o exigia? -. Terá alguma relação com os outros dois que se encontrão na Biblioteca de Coimbra? Não sabemos! Aliás, em Portugal nunca sabemos nada sobre estas coisas, nem tão pouco sobre outras mais recentes. Privilégio de poucos põe-se a pergunta: Quantos de nós conhecem, viram de facto estes documentos? “porque a imagem tem sido pouco valorizada nas bibliotecas e nos arquivos!?! ”. Pois, mudemos tal situação! Já que estamos com a mão na massa espreitem o trabalho “
Charles Thurston Thompson e o proxecto fotográfico ibérico”, 1996 de Lee Fontanella. Impressionante, mesmo aqui ao nosso lado! Pois, é impreterível que os interessados, nestas coisas da fotografia, se desloquem à montanha. Não se pode esperar eternamente que a montanha desça até nós...Perguntar-se-ão porque razões estão retratistas incluídos nestes “olhares estrangeiros”. Primeiro, porque os retratos também são forma de sentir uma terra, são também um “olhar fotográfico” sobre um país. Depois, porque alguns destes retratistas registaram monumentos, paisagens e costumes de Portugal na arte de Daguerre e Niepce. Nas décadas que se seguiram até ao dobrar do século XIX foram muitos os estrangeiros, das mais diversas nacionalidades, que trabalharam e abriram estúdios em Portugal, principalmente em Lisboa e no Porto. “Em 1842 chegava a Lisboa um Mr. Gilles, que anunciou ter obtido da nossa Academia das Belas Artes “licença para executar ensaios da sua arte de tirar retratos, grupos e vistas à daguerreótipo”. Instalou-se num terreno contíguo à entrada do edifício da Academia, no Largo da Biblioteca, num terreno onde se cultivavam couves e nêsperas...” (A Revolução de Setembro 12 de Maio 1842). Mr. Gilles ainda se encontrava em Portugal um ano depois desta notícia e já fazia daguerreótipos dourados e coloridos (O Grátis 7 de Julho de 1843). Madame Fritz que chegou a Portugal, a Lisboa em Junho de 1844 e que se estabeleceu na rua do Ferregial de Cima n.º 9. (A Revolução de Setembro 8 de Junho de 1844), (Augusto da Silva Carvalho, "Memórias da Academia das Ciências de Lisboa", 1941). Dos estrangeiros que se estabeleceram na nossa terra, alguns fugazes, outros que aqui criaram raízes, falaremos mais adiante e com mais pormenor.Abrimos aqui um pequeno parêntese para chamar a atenção para o facto de, apesar de na época se escrever de ouvido, alguns dos nomes estrangeiros poderem ter sido utilizados como “pseudónimos como sugere o nome Thierson, (Thiesson ou Thierson) ou os fotógrafos Chambard e Poirier, que se diziam de Paris mas cujas notícias, saídas na imprensa ao longo de poucos dias, apresentam diversas variações na sua designação comercial, como Chambard & Puirier, Cambou et Poisier, Chambant e Fonier, Chambou e Foirier ou Chambard e Pisier, curiosamente instalados na mesma casa em que trabalhara Thierson, na rua Nova dos Martyres, número 34.” (Paulo Artur Ribeiro Baptista “A casa Biel e as suas edições fotográficas no Portugal de Oitocentos” Dissertação de Mestrado em História da Arte, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Julho de 1994). Todos estes nomes “De Curiosa semelhança com o do afamado fotógrafo parisiense Louis Pierson (1822-1913) que se associou aos irmãos Mayer para formar o estúdio do 5 Boulevard des Capucines.”, como alerta Paulo Baptista nas notas do seu magnífico trabalho. De facto também existe um E. Thiesson, que terá fotografado em Lisboa. Fechamos o parêntese para continuarmos com os “olhares fotográficos” que percorreram a nossa terra, sendo que alguns, a “Vol d'Oiseau”. Naquilo que diz respeito à fotografia os estrangeiros são uma presença constante e salutar nos primórdios desta arte/ofício em Portugal. Podemos confirmar essa realidade em praticamente todo o território: Lisboa, Porto, Coimbra, Braga, Chaves, Évora, Madeira, Açores, Lourenço Marques, S. Tomé e Príncipe, Macau, etc...

Em “
Évora Desaparecida – Fotografia e Património 1839-1919”, Câmara Municipal de Évora –
Arquivo Fotográfico, 2007, onde Cármen Almeida escreve um artigo intitulado “Évora e a História da Fotografia”, e que aqui transcrevo um excerto do mesmo: “... Em 3 de Fevereiro de 1847, o Jornal Chronica Eborense anunciava que hábeis professores estrangeiros tiraram retratos ao daguerreótipo por 1$440 réis no Convento dos Lóios. (...) procurando saber quem eram os hábeis professores estrangeiros que tinham passado por Évora, efectuámos uma pesquisa no fundo do Governo Civil (Movimento de Estrangeiros), o que nos veio revelar que:”A pesquisa feita revelou-lhes a presença em Évora, entre 25 de Março 1846 e 6 de Setembro de 1852, de muitos retratistas/daguerrotipistas estrangeiros como: o Inglês William Reynolds, 25 de Março de 1846; Caetano Marras (?) retratista italiano, 13 de Janeiro 1848; o espanhol José de Mera (?), 1 de Janeiro de 1849; D. Manuel Castañeda, 21 de Abril de 1849; o sueco João Henrique Schmidli (?), 5 de Outubro de 1849; Jules Forestier, francês, 30 de Julho a 30 de Setembro de 1850; o francês Juliam Baptista, 6 de Setembro de 1852. “ Os registos disponíveis param nesta data, não nos tendo sido possível obter informações relativas a anos posteriores.” (...) “Em Maio de 1881 tirava retratos na cidade de Évora o espanhol Francisco Paino Perez, com estúdio na rua da Mouraria n.º 27” podíamos ler no (Sul, 1.º Anno, n.º 31, 8 de Maio de 1881), (“Évora e a História da Fotografia”, Cármen Almeida no catálogo “Évora Desaparecida – Fotografia e Património 1839-1919”, Câmara Municipal de Évora – Arquivo Fotográfico, 2007).Quem também esteve em Évora entre 1867 e 1870 foi o fotógrafo francês J. Laurent que percorreu praticamente todo o território nacional. Nos primórdios da fotografia, a presença de fotógrafos estrangeiros era por demais evidente. Apesar disso, na exposição Universal de Paris de 1867 estiveram com fotografias de Portugal apenas os fotógrafos Wenceslau Cifka, Charles Thurston Thompson e Jacques Francem (António Sena, “
História da Imagem Fotográfica em Portugal 1839 – 1997”. Porto Editora, 1998).

Calotipo de F. Flower da Ponte pênsil no Porto
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Prova actual em papel salgado a partir do calótipo de Flower

Pelos descendentes de F. Flower foi-nos «legado» património fotográfico rarissimo. De facto,
Frederick William Flower (1815, Edimburgo – Londres 1889), o calotipista inglês deixou-nos uma visão única do norte de Portugal em 211 calotipias, 120 provas em papel salgado e algumas albuminas deixadas por indicação da família à guarda do IPM em Portugal. Entre as calotipias aí depositadas uma é a do Pátio do Armazém dos Queimados que mostra três pipas com a inscrição Godfrey & Co., 1853 pelo que “a menos que mais provas surjam, nunca provavelmente se saberá quando começou Frederick William a praticar com sucesso a fotografia pelo processo da calotipia. “A maior parte do que subsiste da sua obra parece ter sido executada entre 1853 e 1858, quando ele tinha entre trinta e cinco e quarenta e dois anos e antes de ter decidido transferir os seus negócios para Bristol” (Michael Grey para o catálogo da exposição "
Frederick William Flower Um Pioneiro da Fotografia Portuguesa", 1994. Exposição comissariada por Vitória Mesquita e José Pessoa).
James Joseph Forrester, o Barão de Forrester (1809-1861) chegou a Portugal em 1831, tal como Flower era originário de Inglaterra e tinham ainda em comum gostarem e terem praticado a fotografia.Outros episódios de menor dimensão mas, muito importantes para a história da fotografia portuguesa e para uma reflexão sobre os olhares fotográficos dos estrangeiros surgem-nos aqui e ali alguns efabulados outros mais concretos. Lembramos neste texto
Claudius Galen Wheelhouse (1826-1909), o médico e militar inglês, que em 1849 fez um calótipo da porta do mosteiro dos Jerónimos, quando a caminho do Egipto e da Palestina passou por Lisboa. Apesar de ter junto um texto onde pretende ser pioneiro desta técnica em Portugal e autor do primeiro calótipo realizado no nosso país, - tal não passou de um excesso de entusiasmo -. (António Sena “
História da imagem fotográfica em Portugal – 1839-1997”, Porto Editora, 1998).

Lembramos também o episódio sobre o militar inglês
Hugh Owen (1784-1860). Segundo a nota 29 de um texto de Michael Gray no catálogo de Flower já aqui referido e que diz que no Fox Talbot Museum Collection existe um álbum “Views of Gentlemans Seats” tem uma única vista do Porto tirada por Hugh Owen, militar inglês que veio para Portugal combater as tropas de Soult e que mais tarde no exército português “após o fim da guerra, foi promovido a tenente coronel do regimento de cavalaria n.º 6 de Chaves. Em 1820 é coronel e acompanha na viagem de Beresford ao Brasil, regressando mais cedo que o comandante-chefe, trazendo despachos para a Regência, sendo transferido para o comando do regimento de cavalaria n.º 4. Chega a Portugal já com a revolução de 1820 em pleno curso. Tendo sido despedido, como Beresford e todos os outros oficiais britânicos, retira-se do exército e casa com Maria Rita da Rocha Pinto Velho da Silva, viúva, filha de um grande negociante de vinhos do Porto, em 20 de Dezembro de 1820. Teve quatro filhos, entre eles a célebre
Fanny Owen, celebrizada por
Camilo Castelo Branco e
Agustina Bessa Luís. Vivia no Porto quando, em 1832, o exército liberal vindo dos Açores, e desembarcado na praia do Mindelo, ocupou a cidade. D. Pedro chamou-o para comandante da cavalaria, mas Owen, por ser cidadão britânico recusou, de acordo com as ordens dadas pelo seu governo, mas colaborou com o regente durante o cerco da cidade. Em 1856 regressou à Grã-Bretanha, abandonando mulher e filhos”. (“
O Portal da História – Biografias”, Manuel Amaral 2000-2003).

Rua do Porto, 1854. Fotografia de Hugh Owen no Álbum de John Wheeley Gough Gutch. Victoria and Alberto Museum.
O investigador Paulo Artur Ribeiro Baptista escreve a dada altura no seu trabalho “A Casa Biel e as suas edições Fotográficas no Portugal de Oitocentos”, 1994: “A grande divulgação que as fotografias de viagens tiveram e o particular interesse que despertaram no público, a partir de meados do sec. XIX, fruto de um gosto romântico que apreciava de forma especial o exótico e o desconhecido, levou que alguns destacados fotógrafos e editores, como foi o caso de Francis Frith, tenham realizado fotografias por todo o mundo e, por isso, entre muitas outras paragens, também a Portugal tenham vindo recolher vistas para os seus álbuns que continham registos fotográficos de todo o mundo. Exemplo dessa recolha é o álbum anónimo de cerca de 70 albuminas de dimensões apreciáveis, com vistas de Portugal e Espanha, que terá sido realizado na década de 1870. (...) Também são de destacar os relatórios das missões científicas como a que realizou Hubert Vaffier, a Mission Scientifique & Artistique Espagne et Portugal (de 1889)”.

Fotografia de Francis Frith (British, 1820-1899): "Porta, da Capela Imperfeita, Batalha, Portugal." Albumina dim. 6-3/8" x 8-1/2" c. 1868.
Em nota, acrescenta o investigador, que
Francis Frith (1822-1898), fotógrafo e editor fotográfico inglês no âmbito da sua actividade...Passou por Portugal onde terá realizado algumas fotografias. A sua firma “F. Frith & Company” publicou álbuns..., colecções de vistas estereoscópicas e postais. Terá talvez sido ele o fotógrafo inglês que visitou a cidade do Porto, em 1872, tendo fotografado diversos monumentos e vistas da cidade, nomeadamente a igreja de São Francisco, como refere O Primeiro de Janeiro, 4.º ano, n.º 257, 13/11/1872, p.2. Paulo Baptista escreve também em nota que o álbum anónimo referido com vistas de Espanha e Portugal, foi adquirido para a colecção de fotografias da Secretaria de Estado da Cultura, em 1989, pelo responsável pela constituição dessa colecção, o Prof. Jorge Calado. E esclarece que do trabalho de Hubert Vaffier (1834-1897), "
Mission Scientifique & Artistique Espagne e Portugal", só lhe foi possível encontrar, uma única ilustração fotográfica que existe na Associação dos Arqueólogos Portugueses (hoje provavelmente à guarda do
IPM no Departamento Fotográfico da Ajuda). Paulo Artur Ribeiro Baptista “A Casa Biel e as suas edições Fotográficas no Portugal de Oitocentos”, 1994. Dissertação de Mestrado em História de Arte, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
. HUBERT VAFFIER (1834-1897)
.Fotografias de Hubert Vaffier (1834-1897), "Mission Scientifique & Artistique Espagne e Portugal"
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D. Amelia cerca de 1872 Colecção Chusseau-Flaviens na George Eastman House
De Charles Chusseau-Flavies pouco se sabe, o fotógrafo francês terá trabalhado entre 1890 e 1910. Consultando a parte do seu trabalho que se encontra na George Eastman House, parece tratar-se de um dos primeiros repórteres fotográficos freelancer. Viajava com facilidade e tinha acesso a várias famílias reais europeias. Tinha também grande facilidade em fotografar quartéis e militares em exercício assim como o respectivo armamento, o que fez em vários países da Europa. Fotografava com muita frequência, cenas do quotidiano e fazia levantamentos etnográficos. Os ciganos na Roménia, negativos de alguma raridade e algumas vivências na Argélia, Marrocos e na Turquia, onde também adquiriu originais a (Sebah & Joailler), importante firma estabelecida em Constantinopla. Percorreu a maioria dos países da Europa. Da colecção, uma das maiores da George Eastman House, fazem parte mais de 11.000 negativos em vidro. O conjunto foi entregue à Casa George Eastman pela Kodak Pathé em 1974. É provável que seja apenas parte da sua produção como fotógrafo isto porque, se atentarmos ao número de chapas em vidro feitas em França, uma insignificância, por exemplo da Exposição Universal de 1900 em Paris apenas se conhecem 2 chapas, leva-nos a suspeitar que a colecção na posse da George Eastman House não representa todo o seu trabalho. Tal situação, leva-nos a concluir que a sua obra é muito mais vasta. Chusseau - Flaviens quando viajava adquiria trabalhos de outros fotógrafos e produzia a bordo uma cópia. Ele incluía frequentemente o nome do fotógrafo na anotação em francês ao longo da borda do negativo em vidro. Assim se explicam os negativos da Nova Zelândia, Japão, Abissínia na Etiópia e outros países para onde Chusseau-Flaviens não pode ter viajado em pessoa. Na George Eastman House são em grande número os vidros da Bulgária, Roménia e Espanha. Surpreendente é o número de chapas sobre Portugal, cerca de 900 negativos em vidro. A sua diversidade geográfica contempla a cidade do Porto, com vistas de uma beleza rara a que a cidade já nos habituou e onde podemos ver o desembarcar do bacalhau na Ribeira. Cascais com as suas praias de pescadores, antes do turismo, os hotéis e os casinos as terem tomado; Mafra, Tomar e Sintra com os seus monumentos; Cacilhas, donde miramos a Lisboa do princípio do século XX; Coimbra, as pessoas, os estudantes e as tricanas, a universidade e o choupal. A sensibilidade de Chusseau - Flaviens quando regista os tipos sociais, os costumes, os vendedores ambulantes: de azeite, de carvão, de leite, de legumes, de aves, de peixe, de ostras, de pão, de perus, de alhos e cebolas, os aguadeiros, os varredores de rua, as lavadeiras, os calceteiros e a calçada portuguesa, os trolhas e os galegos nas mudanças, tudo estimula o estudo da cidade de Lisboa no inicio do século XX. Fotografou o exército português: a cavalaria, a infantaria, a artilharia nos quartéis e em manobras. Fotografou a marinha, os marinheiros e os seus barcos: o Douro, o Vasco da Gama, o Almirante Reis, o Tejo, o D. Amélia e o Dom Luís. Um grande número de fotografias da família real portuguesa, D. Carlos, D. Amélia, D. Afonso e D. Manuel II. Em alguns dos negativos em actos oficiais mas, noutros negativos em situações menos formais ou pousando desportivamente para a câmara. D. Manuel II simulando esgrima ou com uma raquete de ténis na varanda do Palácio da Pena. Os primeiros republicanos, da carbonária como António Maria da Silva até ao primeiro Presidente da República, Manuel de Arriaga na varanda do Palácio de Belém. A colecção conta também com retratos de António José d’Almeida, João Chagas, Magalhães Lima, Braamcamp Freire, Afonso Costa, A. de Azevedo Vasconcelos, Teófilo Braga e o Patriarca de Lisboa D. António Mendes Belo. Apesar de algumas das fotografias terem sido adquiridas a fotógrafos e estúdios fotográficos portugueses como à Foto Vasques, não é de excluir que Chusseau – Flaviens tenha estado no nosso país pelo menos até 1910. A colecção conta ainda com uma fotografia da Rainha D. Amélia, muito nova, por volta de 1872, seguramente adquirida ou oferecida ao fotógrafo.
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2 comentários:
Muchas felicidades por la asociación y por la página; es estupenda. Y otro tanto por el artículo.
Estoy trabajando sobre daguerrotipistas en España y me gustaría preguntarles si se han publicado cosas nuevas sobre Madama Fritz y su familia, después del libro de A. Sena.
Aquí también tenemos noticias de su paso por Barcelona en 1845.
Moitas grazas,
María de los Santos García Felguera
Os irmãos Joseph e Maurice Lazarus eram súbditos britânicos. Um deles está sepultado em Lisboa, onde trabalhou e eventualmente faleceu, mesmo antes de começar a II Guerra Mundial. O outro faleceu no Reino Unido, depois de décadas de trabalho em Moçambique e Portugal. Em Janeiro de 1930 receberam uma honraria do governo em Lisboa de então.
António Botelho de Melo
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