quinta-feira, fevereiro 01, 2007

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Primeiros fotógrafos em Luanda
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Ouvimos, com alguma frequência, fazer referência a Abílio Simões da Cunha Moraes, como sendo o primeiro fotógrafo estabelecido em Luanda. Creio que tal ideia se baseia na afirmação feita por António Sena na sua História da imagem fotográfica em Portugal 1839-1997 (1), que é, e continuará a ser nos próximos tempos, a mais importante obra de referência em matéria de história da fotografia portuguesa. Certamente que, na altura em que a publicou, Sena não tinha conhecimento da existência de outros fotógrafos que ali exerceram essa actividade em datas anteriores.

Abílio Moraes iniciou a sua actividade fotográfica comercial em Luanda, em finais de 1867, «na casa encarnada ao fundo da Calçada Velha e Motamba», e cessou-a em finais de 1870 ou em inícios de 1871, ano em que veio a falecer a 28 de Março (2). Após a sua morte, a actividade do seu estabelecimento foi continuada pelo seu filho mais velho Augusto César e pelos irmãos. Mas, partindo de 1867, recuemos no tempo e vejamos que notícias temos de outros fotógrafos que por ali passaram e ali trabalharam.

A referência mais recuada à prática fotográfica em Angola é-nos dada pelo médico e historiador Augusto da Silva Carvalho (1861-1957), no seu trabalho pioneiro Comemorações do Centenário da fotografia: subsídios para a história da fotografia em Portugal(3). Nele afirma que o médico cirurgião Clemente Joaquim Abranches Bizarro tirou um retrato daguerreotípico a Babola, princesa da Huíla, que acompanhou o major Garcia Moreira nas suas explorações africanas. De facto, Silva Carvalho nunca viu o daguerreotipo original, mas unicamente uma litografia aberta por António Joaquim de Santa Bárbara, e impressa na litografia de Manuel Luís da Costa, estabelecida na rua Nova dos Mártires, n.º 14, em Lisboa(4). Tendo a informação de que Bizarro faleceu em Angola em meados de 1845, Silva Carvalho deduziu, naturalmente, que o retrato foi tirado em data anterior(5). No exemplar da Biblioteca Nacional, que Ernesto Soares consultou nos anos 40, alguém escreveu a lápis, na própria estampa, que o retrato foi feito por Bizarro em 1844, e litografado por Santa Bárbara em 1845(6). Na litografia que actualmente se encontra na Biblioteca Nacional, aparecem todas as informações que Silva Carvalho nos dá sobre esta imagem, menos uma, que nos interessa particularmente, a de ter sido feita a partir de um daguerreotipo. O que lá tem escrito é que foi «Retratado do vivo pelo Doutor Clemente Bizzarro»(7) De facto, esta afirmação coloca a possibilidade de o registo original ser um desenho feito à vista do modelo e não um daguerreotipo, o que nos parece mais plausível, pelos motivos que passamos a referir: na litografia, o desenho é de fraca qualidade: a mão e a cabeça parecem-nos desproporcionadas relativamente ao torso, e os detalhes anatómicos são pouco precisos. Se as outras litografias feitas por Santa Bárbara nos revelam um artista com uma capacidade de desenho muito superior à demonstrada na da princesa Babola, as que executou a partir de daguerreotipos são de um realismo espantoso e não se lhe comparam. Por último, nalguns retratos que litografou a partir de daguerreotipos, Santa Bárbara fez questão de o indicar na própria folha de impressão. Infelizmente, Silva Carvalho não indica a fonte de informação que lhe permitiu afirmar que o registo original era um daguerreotipo. Será que foi o próprio a deduzir que «retratado do vivo» se referia a um registo fotográfico? Pessoalmente acredito que assim seja(8), mas infelizmente já não podemos colocar-lhe esta questão. Assim, até se encontrar documentação que nos confirme o contrário(9), creio que esta litografia foi realizada a partir de um desenho de Clemente Bizarro, e não a partir de um daguerreotipo.

Em finais de Dezembro de 1849, o retratista sueco M. J. Schenk partiu de Luanda a bordo do brigue Novo Africano, com destino a Lisboa, onde aportou no dia 11 de Fevereiro do ano seguinte(10). Não sabemos se exerceu a sua actividade profissional em Luanda, mesmo que por um breve período. A trajectória profissional deste pintor e fotógrafo está bem documentada em Lisboa, onde foi um dos mais cotados fotógrafos retratistas dos anos sessenta. Não deve, no entanto, ser confundido com o pintor animalista August Friedrich Albrecht Schenck (Gluckstadt, Holstein, 1828 - Écouen, 1901) (11). Com 14 anos, este emigrou para Inglaterra e daí para Portugal, onde foi negociante de vinhos no Porto. Neste país foi-lhe concedido o grau de cavaleiro da Ordem de Cristo. A determinada altura desistiu da carreira comercial e foi para França onde aprendeu pintura com Cogniet, tendo participado em várias exposições em Paris, em 1855, e nos anos 60 e 70. Veio a retirar-se para uma propriedade rural em Écouen, perto de Paris, onde viveu a maior parte da sua vida. Sobre August Schenck não dispomos de qualquer documentação que permita afirmar que exerceu actividade como fotógrafo(12).

Cerca de catorze anos mais tarde, mais precisamente no dia 3 de Novembro de 1863, chegou a Luanda, no vapor português Zaire, o marceneiro e fotógrafo José Augusto Teixeira, acompanhado da sua mulher e de dois filhos(13). Passados pouco mais de quinze dias, já tinha acabado de montar o seu atelier fotográfico na rua da Misericórdia, em frente do hospital, e anunciou que ia começar a tirar retratos no dia 23 do mesmo mês, pelos preços da tabela que ia expor no estabelecimento. Fotografava todos os dias, menos os santificados, desde as 9 horas da manhã até às 4 da tarde. Também se encarregava de qualquer obra de marcenaria «apromptando mobilias do mais fino e apurado gosto, com uma execução igual ás importadas de Paris ou Lisboa»(14). Em finais de Fevereiro do ano seguinte, Teixeira anunciou em Luanda que parara temporariamente os seus trabalhos fotográficos por falta de produtos químicos, mas que, tendo acabado de os receber pelo vapor Zaire, continuava a tirar retratos todos os dias não santificados, desde o primeiro até ao último do mês de Março, das 7 horas da manhã até às 2 da tarde(15). Dez anos passados, temos notícia de um J. A. Teixeira, que partiu de Luanda para os portos do norte de Angola, no dia 14 de Agosto de 1874, a bordo do vapor português Andrade (16) .



Anúncio do fotógrafo José Augusto Teixeira, em Luanda (Boletim Official
do Governo Geral da Provincia d' Angola,
n.º 47, 21 Nov. 1863, p. 402)
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Em 1864 registamos em Luanda a presença de um A. Pomarelli que, a 31 de Março de 1864, se deslocou desta cidade a um dos portos do sul de Angola, a bordo do vapor Africa(17). A 29 de Julho do mesmo ano partiu para Lisboa, a bordo do paquete português a vapor Zaire, com escala pelos portos habituais(18). Deve tratar-se do fotógrafo António Pomarelli que, segundo Baptista (19), foi recrutado em Paris, em Setembro de 1865, para trabalhar no Porto como operador(20) da Photographia Talbot. A ser a mesma pessoa, é possível que, antes da sua ida para o Porto, tenha fotografado em Angola.

Em meados de Março de 1867, com o título «Photografia em vidro.» ou «Photographia em vidro», Nicola de Luizi (ou Luisi, ou Luise)(21) anunciou em Luanda tirar retratos de várias dimensões, todos os dias das 7 às 9 horas da manhã, e das 3 às 5 da tarde, na casa térrea pertencente ao sr. Malheiros, defronte do Terreiro Público(22). No dia 11 de Setembro de 1869, «N. de Luíze, photographo», partiu de Luanda para os portos do sul de Angola, no vapor paquete português D. Pedro(23). Cerca dos anos 70, vamos encontrar este fotógrafo activo em Portimão(24).






Nicola de Luizi (Luanda) - Luís Pires da Costa, c.1867-69. Carte de visite (Col. Alexandre Ramires)

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É provável que no futuro venham a surgir mais informações sobre os fotógrafos de Luanda neste período recuado da história fotográfica. Para o período posterior a 1867, cremos que nos próximos tempos serão publicados estudos que desenvolvem e corrigem a informação já divulgada. Devemos encarar a pesquisa histórica à luz da sua natureza, a de um trabalho em progresso. Infelizmente, as fontes documentais disponíveis sobre Angola são escassas, mas é provável que existam em instituições angolanas e em colecções particulares, mais periódicos e imagens que permitam ampliar esta informação.


Nuno Borges de Araújo

Notas
1.
1.ª ed. Porto: Porto Editora, 1998, p. 87.
2. Boletim Official do Governo Geral da Provincia d'Angola. Luanda, n.º 50, (14 Dez. 1867), p. 602, n.º 14 (8 Abr. 1871), p. 165.
3. Carvalho, Augusto da Silva - Comemorações do centenário da fotografia: subsídios para a história da fotografia em Portugal. Separata das Memórias da Academia das Ciências de Lisboa. Classe de Ciências, Tomo III. Lisboa: Academia das Ciências de Lisboa, 1940, p. 11-12. Só no ano seguinte o mesmo texto foi publicado nas referidas Memórias [...], com a passagem citada nas p. 29-30
4. Santa Bárbara, António Joaquim de - Babolla princeza da Huilla [Visual gráfico / retratado do vivo pelo Doutor Clemente Bizarro; S.ta Barbara lith. - [Lisboa? : s.n., 1845] (Lx.ª: Lith. de M. L. da C.ta). - 1 gravura: litografia, p&b http://purl.pt/4784.
5. Id. nota 3.
6. Soares, Ernesto; Lima, Henrique de Campos Ferreira - Dicionário de iconografia portuguesa. Lisboa: Instituto para a Alta Cultura, vol. 1, 1947, p. 146, n.º 271.
7. Id. nota 4.
8. Passados 66 anos da data da sua publicação, o texto de Silva Carvalho continua a ser uma referência fundamental e base de trabalho para investigadores na matéria. No entanto, devem evitar-se as transcrições sem uma verificação prévia das fontes, uma vez que nele verificamos erros de vária natureza (interpretação de conteúdos, correspondência das notas com o texto, etc.) relativamente a fontes já verificadas (periódicos de Lisboa, Coimbra e Porto), o que não é surpreendente, se tivermos em consideração que o autor o publicou com cerca de oitenta anos de idade. Neste caso concreto, a indicação da litografia onde esta imagem foi impressa não foi lida correctamente por Silva Carvalho.
9. É possível que numa das 66 caixas que constituem o espólio de Silva Carvalho, existente no Arquivo de Cultura Portuguesa Contemporânea, da Biblioteca Nacional (cota: BN Esp. E13), se encontre alguma carta ou nota que explique a sua afirmação.
10. Diario do Governo. Lisboa, n.º 37 (13 Fev. 1850), p. 171-172.
11. Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. Lisboa / Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, vol. 28, [s.d.], p. 862; Sena, op. cit., p. 37 e 41; Barreto, António - «fotógrafos.» Dicionário de História de Portugal. 1.ª ed. Porto: Livraria Figueirinhas, 1999, p. 61.
12. Albert (or Albrecht) Schenk (1828-1901), publicado no website.
http://ca.geocities.com/pfsearle@rogers.com/albertschenckdata01.html.
13. Boletim Official do Governo Geral da Provincia d' Angola. Luanda, n.º 45 (7 Nov. 1863), p. 376.
14. Ib. n.º 47 (21 Nov. 1863), p. 402.
15. Ib, n.º 9 (27 Fev. 1864), p. 84.
16. Ib., n.º 34 (22 Ago. 1864), p. 415-416.
17. Ib., n.º 14 (2 Abr. 1864), p. 119.
18. Ib., n.º 31 (30 Jul. 1864), p. 262.
19. Baptista, Paulo Artur Ribeiro - A Casa Biel e as suas edições fotográficas no Portugal de oitocentos [Texto policopiado]. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, 1994, p. 51 [Dissertação de mestrado em História da Arte Contemporânea apresentada à F. C. S. H. da Universidade Nova de Lisboa].
20. Operador era o termo usado para designar aquele que, utilizando os aparelhos fotográficos, produzia as imagens num atelier fotográfico. Normalmente aplicava-se quando este era um empregado do estabelecimento.
21. Nos seus cartões fotográficos aparecem impressas as grafias Luizi e Luisi, e nos seus anúncios as grafias Luizi e Luise.
22. Boletim Official do Governo Geral da Provincia d'Angola. Luanda, n.º 11 (16 Mar. 1869), p. 113 (texto datado de 14 de Março); A Civilização da Africa Portugueza. Luanda, n.º 15 (28 Mar. 1867), p. 60 (texto datado de 27 de Março).
23. Boletim Official do Governo Geral da Provincia d'Angola. Luanda, n.º38 (18 Set. 1869), p. 454.
24. Retratos no formato Carte de visite (Col. Alexandre Ramires).

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1 comentário:

henrique santos disse...

Prezados
Tenho em minha posse uma foto deBitard&Lima, Photo.Française, Lisboa, rua arco bandeira 136, mas não consegui informações sobre quem era e em que anos existiu. Tem alguma informação?